Saúde financeira e saúde mental

Entenda essa relação e veja dicas de como se organizar para ter mais qualidade de vida

comportamentos impulsivos afetam a saúde financeira

Preocupação constante, vergonha, angústia, perda de sono ou do apetite. Esses são alguns dos sentimentos que costumam atormentar as pessoas endividadas ou que vivem sempre no limite, sem saber se conseguirão pagar as contas do mês ou não. Segundo dados do Observatório Febraban, apurados em uma pesquisa realizada pela Federação Brasileira de Bancos em julho de 2025, 4 em cada 10 pessoas estão endividadas no país. Para 77% delas, o endividamento afeta sua saúde emocional e sua qualidade de vida. Outra pesquisa, feita em 2024 pelo Índice de Saúde Financeira do Brasileiro (I-SFB/FEBRABAN), revelou que 67,2% dos entrevistados não se sentem seguros em relação ao futuro financeiro.
O tema ganha relevância em um país com mais de 77 milhões de inadimplentes (dados do Mapa da Inadimplência, do Serasa, de junho de 2025). O desequilíbrio financeiro afeta todos os aspectos da vida, incluindo relacionamentos e produtividade no trabalho. E nem sempre os indivíduos conseguem lidar com isso de um jeito saudável.
“Muitas vezes, as pessoas se fecham, sem querer falar sobre o assunto, fazendo de conta que ele não existe. Endividados raramente falam sobre isso com a família, não pedem ajuda, podem ficar melancólicos e deprimidos, sem explicar o que realmente está acontecendo”, diz Vera Rita de Mello Ferreira, palestrante e professora de psicologia econômica, finanças comportamentais e educação financeira.
Segundo ela, reconhecer os reflexos da desorganização financeira na saúde física e mental ajuda a impedir que pessoas endividadas enfrentem quadros como o de depressão.

Entenda a relação entre saúde financeira e saúde mental

O Brasil é o país da América Latina com mais casos de depressão, além de ser o mais ansioso do planeta, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS). E uma das principais causas é o desequilíbrio financeiro. Segundo a professora Vera Rita, a instabilidade financeira pode afetar a saúde mental.
“O endividamento gera estresse na maior parte das pessoas, e esse estresse leva a um adoecimento. Sentimentos de culpa, raiva, desânimo, depressão, ansiedade, angústia. Tudo isso pode ser gerado pelo endividamento e, quando esses sentimentos se aprofundam, podem sinalizar um distúrbio mental.”
O inverso também é verdadeiro, diz a especialista: pessoas mentalmente fragilizadas têm maior risco de se endividar, uma vez que a saúde mental pode afetar suas emoções, tomadas de decisão e comportamentos. “Para uma pessoa ansiosa, que está sempre em busca de um alívio para seus sentimentos, o consumo pode aparecer como uma solução”, exemplifica. “Pessoas muito tristes ou depressivas podem comprar demais ou se desfazer de bens por valores muito baixos, em situações de luto ou separação.”

Gatilhos que podem minar a saúde financeira

comportamentos impulsivos afetam a saúde financeira

Comportamentos impulsivos e até mesmo sensações aparentemente positivas, como o otimismo exagerado, podem levar ao descontrole financeiro. “Existem pessoas que nunca enxergam o risco, portanto, não veem razão para se preocupar ou se planejar”, lembra Vera Rita. Por outro lado, pessoas excessivamente autoconfiantes podem até identificar os riscos, mas pensam que nunca serão afetadas por eles. “Isso pode fazer com que elas comecem negócios sem ter preparo suficiente, usem o crédito de forma descuidada e não enxerguem as dívidas se acumulando”, explica.

Compras sem planejamento

Cerca de 93% das pessoas com problemas de saúde mental gastam mais do que deveriam, destaca um estudo do Money and Mental Health Policy Institute (Instituto de Políticas de Dinheiro e Saúde Mental), do Reino Unido. A impulsividade, nos casos mais graves, pode se transformar em uma doença que afeta as finanças e as diversas esferas da vida. Esse distúrbio é chamado de transtorno do controle do impulso e tem um nome científico: oniomania. 
A compra é feita como uma válvula de escape, que gera alívio momentâneo e, muitas vezes, a pessoa sequer abre ou usufrui daquilo que comprou. O aumento progressivo do volume de compras e as tentativas frustradas de frear e diminuir compras podem ser um sinal de alerta de que algo não está bem.

Jogo de compensações e recompensas

As compras, muitas vezes, são um mecanismo de compensação emocional diante de outros comportamentos compulsivos. Um exemplo claro é o de pessoas que desejam emagrecer e, para compensar a restrição alimentar, buscam medicamentos como as chamadas “canetas emagrecedoras”. Usando o remédio como um “apoio”, muitas vezes acabam assumindo dívidas ao parcelar a compra do medicamento, que custa, em média, R$2.000 por mês.
O problema, que é a compulsão alimentar, nesse caso, é deslocada para compras – ao reduzir os gastos com comida por ter menos apetite, a busca pela recompensa que antes vinha do alimento é buscada em outras fontes.
Há uma série de outros mecanismos de recompensas que as pessoas utilizam para fazer compras não planejadas. Quem explica melhor como isso funciona é Valéria Meirelles, doutora em Psicologia Clínica e especialista em Psicologia do Dinheiro, nesta entrevista conduzida por Mona Dorf, em que ela e Uelton Santos Carvalho, gerente de Cidadania Financeira da Febraban, conversam sobre como lidar com o estresse financeiro para ter mais saúde mental:https://www.youtube.com/embed/bxGobJR1kOY?start=1331s

Vícios em jogos e apostas online

De acordo com o Observatório Febraban, a maioria da população (81%) avalia o impacto das bets nas finanças das famílias como muito negativo ou negativo. O Raio X do Investidor, da Anbima, identificou que, dentre as pessoas que usaram aplicativos de bets em 2024, 10% apresentaram alta tendência ao vício em apostas.
O que ocorre é que essas plataformas são projetadas para manter o usuário engajado, utilizando mecanismos que estimulam o circuito de recompensa envolvido em outros vícios comportamentais e criando um ciclo em que a pessoa busca recuperar perdas ou reviver a euforia de uma vitória anterior. Com o tempo, o comportamento pode se tornar compulsivo, afetando a saúde mental e levando a sérios prejuízos financeiros.

Túnel da escassez

O Índice de Saúde Financeira do Brasileiro (I-SFB) identificou que apenas 35% dos brasileiros consideram que a maneira como cuidam de suas finanças não os permite aproveitar a vida e  67% não têm segurança sobre o seu futuro financeiro.
A desorganização pode ser desencadeada por um fato recente, como a perda do emprego e da principal fonte de renda, ou pode ser algo que já acompanha a pessoa por um certo tempo. Independentemente do motivo, quem está endividado muitas vezes é absorvido pelo problema e pode acabar entrando no chamado túnel da escassez.
“É o que acontece quando uma pessoa fica tão concentrada tentando fazer o mínimo render o máximo possível, precisando constantemente fazer escolhas relacionadas ao dinheiro”, diz Vera Rita. Devo pagar a conta de luz, gás ou comprar comida? Devo priorizar isso ou aquilo?
“Essas constantes escolhas esgotam a mente e podem inclusive afetar o autocontrole”, explica a professora. Isso porque, no chamado “túnel da escassez”, o indivíduo vive negando aos seus desejos, vontades e necessidades e, muitas vezes, perde a capacidade de decidir com propriedade o que fazer quando tem uma entrada de dinheiro inesperada, por exemplo.

Primeiros passos para ter mais saúde financeira

ter uma boa saúde financeira ajuda a aliviar o estresse

Nem sempre é fácil lidar com situações tão desafiadoras, mas é possível dar os primeiros passos para se organizar financeiramente e viver com mais tranquilidade. Veja algumas dicas. 

1. Encare a situação de frente

Muitas vezes, a ansiedade impede que a gente encare a própria situação financeira, mas esse adiamento só dificulta as coisas. A dica é dividir a tarefa em etapas: comece colocando as entradas e saídas de dinheiro no papel. Ter essa visão facilita entender os principais gastos, enxergar oportunidades para reduzi-los ou planejar outras medidas, como fazer uma atividade para conseguir um dinheiro extra para renegociar dívidas. 
Aos poucos, você vai perceber que essa organização ajuda a recuperar o controle e a ganhar confiança para resolver os problemas. Lembre-se: esta não precisa ser uma tarefa solitária. Converse com a família e envolva todos na busca de soluções, que podem ser reduzir temporariamente algum gasto. 

2. Não espere ter dinheiro sobrando para começar a guardar

Além das dívidas, outra causa da aflição financeira é a falta de uma reserva que possa nos socorrer quando precisamos. Por isso, uma dica é começar a guardar algum dinheiro. Comece com muito pouco – R$ 20,00 por mês, por exemplo, e coloque o dinheiro para render em uma aplicação. 
O importante é fazer isso sempre. Poupar regularmente é o caminho para formar um colchão financeiro. Para construir essa disciplina, você pode programar uma aplicação automática no banco assim que o salário cai na conta.

3. Crie um plano para quitar as dívidas

Para quem está endividado, falar sobre o assunto sem vergonha ou culpa com a família é essencial. Pessoas próximas podem ajudar a  reverter a situação, formando uma rede de apoio. Está gastando demais por conta da ansiedade ou estresse? Existem diversas outras atividades que podem ter um efeito relaxante sem causar um estrago no bolso.
“Procurar ajuda de um profissional de planejamento ou uma consultoria financeira pode fazer toda a diferença para ajudar a reestruturar as dívidas”, aponta Vera Rita. “Às vezes, a pessoa endividada fica muito perdida, o que pode ser agravado se ela já estiver com a saúde mental abalada. Buscar uma terapia também é importante, quando for o caso”, recomenda.
A situação pode ser ainda mais grave quando falamos sobre superendividamento, cenário em que as dívidas viraram uma bola de neve tão grande que acabam comprometendo até mesmo itens básicos de sobrevivência. Nesses casos, órgãos como Procon ou Defensoria Pública podem ser bons aliados. Conhecer os direitos previstos na Lei do Superendividamento também é um passo importante para renegociar condições mais justas e viáveis, reduzindo a pressão financeira e emocional. Saiba mais em nosso curso gratuito sobre superendividamento.

4. Administre o cartão de crédito e as ofertas

A melhor maneira de evitar gastos é estabelecer mecanismos de autocontrole, como definir um limite de gastos no cartão de crédito compatível com a sua renda e seu orçamento ou desinstalar aplicativos de lojas para evitar receber mensagens promocionais. 

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